quarta-feira, abril 26, 2006

Crónicas passadas II

Ele tinha aquelas características que me deixam sempre alerta, as costas absolutamente verticais e uma cintura fina. E depois gostava de filmes, sabia de música e tentava (com algum sucesso) introduzir-nos à vida adulta sem traumas, transgredindo o qb.
Achava-lhe muita graça quando ele descobria uma das minhas, e esta é uma das coisas para as quais estamos preparados para gostar aos 15 anos.
O que é certo é que a emoção transcendia o infantil e se transformava em puro transe erótico quando no escuro do Blade Runner, confundidos pelo álcool, aproveitando um daqueles momentos em que a melhor amiga ia à casa de banho nos tocavamos nas mãos, nas coxas, na cara. Sem beijos, sem sexo, sem nexo, a viver duas fantasias completamente diferentes coincidentes apenas no objecto do desejo.
Depois cumprimos o nosso papel, ele de adulto que transgredia e eu de adolescente apaixonada. Esta história seria rídicula não fosse verdadeira. Porque nada apaga sensação de raio eléctrico que me percorreu os dentes quando nos beijámos num recanto escuro para onde nos deixámos escorregar enquanto o resto do grupo avançava alegremente para o próximo bar, porque nada retira a nitidez do canto dos pássaros que nos despertou da luta amorosa em que nos envolvemos nos bancos dianteiros daquele carro cinza-metal nitidamente 80's que ele conduzia.
Vivemos anos numa troca de cartas e telefonemas em que ele era um interlocutor mudo e concretizamos só depois de sermos ambos adultos e quando eu já o podia olhar como um igual. Quando o sexo já não era um transe, quando os beijos já não provocaram descargas de electricidade, quando confessámos medo de não nos sentirmos atraidos um pelo outro, quando as costas dele embora verticais já não acabavam numa cintura fina. Quando ele já não era o Prince das minhas fantasias. Quando isso serviu apenas para exorcizar fantasmas.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Bolas... bolas... que saudades...
and I was there... oohoho

11:50 da tarde  

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