terça-feira, agosto 15, 2006

pen pal

Com 11 ou 12 anos tive uma pen pal, já não faço puto ideia de como se chamava, sei que tinha a minha idade e vivia no Brasil, não sei onde. Lembro-me porque lhe deixei de escrever. A minha mãe violou, um dia, uma carta em que ela dizia que tinha ido à matiné, com os primos ou irmãos, de uma discoteca chamada o Fantasma da Ópera. Do nome da discoteca nunca me esqueci. Sei que houve uma sessão de baba e ranho lá em casa. Eu achava que a minha cartinha era um pequenino espaço de privacidade dentro da privacidade que não existia no espaço familiar e a representante da autoridade caseira achava que aquilo era um direito que lhe assistia.

Nunca mais tive um/a pen pal oficial, daquelas que a escola nos incentivava a escolher entre as centenas de meninos de outras escolas de todo o mundo que também estavam dispostos a partilhar as suas jovens experiências com alguém que nunca tinham visto.

Tive mais tarde um bloco onde escrevia para mim. 13 anos. Um dia escrevi nele algo tão piroso como isto: "era tão lindo ver escrito numa árvore: joana loves paulo". O desgraçado do Paulo, era um imberbe moço de igual idade que servia como acólito todos os domingo. De nada adianta o choro perante a implacável ironia de uma mãe. Não era apenas a ironia era o amesquinhamento.
A partir dai comecei a ser muito mais cuidadosa.

Descobri aos 15, alguém que se tornou durante anos a fio o interlocutor dos meus ímpetos epistolares. Era praticamente irrelevante se me lia ao não, o importante era eu escrever. O importante era as cartas serem mandadas e não ficarem ali debaixo de olhares alheios. Respondeu-me apenas uma vez, foi ele que me disse: "escrevo-te mas não me apetece escrever-te, apetece-me falar-te e depois dormir contigo que é o acto mais íntimo que conheço". Também foi ele a primeira pessoa que me disse que escrevia bem.

Acabou quando dormimos juntos, muitos anos depois. Também não interessava, não era a ele que eu escrevia, ele era apenas o Prince das minhas fantasias, ao fim de alguns anos, quem ele era, de facto, não tinha importância nenhuma mesmo que eu dissesse que não. Enquanto o construia era a mim que ia construindo e crescendo e pensando sobre os assuntos que discutia com ele por carta.

Depois veio a era dos teclados e o chat. Para quê escrever quando podemos conversar? Claro que tudo isso, o mIRC, as pessoas que não conhecemos é muito limitado, até o dia em que conheces realmente alguém a quem vale a pena escrever um e-mail em vez de um sorriso electrónico em tempo real. Ansiar a resposta, ou não, pensar naquilo que se escreve mesmo quando aquilo que se escreve não é poesia. Contar o dia-a-dia ou cifrar uma mensagem (quase um poema).

Depois durante muito tempo nada. Escrever o quê? Escrever a quem? Escrever para quê? Muitas vezes pensamos e perdemos aquilo que pensamos. Esquecemo-nos. Mesmo isto que agora escrevo não seria muito melhor dito? Uma conversa pequenina, cujo objectivo único é darmo-nos a conhecer a alguém que nos interessa e se interessa em conhecer-nos. Mas é verdade que a falta de registo incomoda.

Voltei a escrever por isso mesmo, o blog e coisa e tal. Essas coisas ainda mais modernas que o velho e desvirtuado mIRC. Durante bastante tempo a coisa andava às pancadas, aos trambolhões, faltava-me o destinatário, real ou imaginário. Agora não.